A prostituta da rua 27
Moro há vinte anos na rua 27. Para ser mais clara, desde que nasci. A nossa rua sempre foi a mais calma da cidade. E o nosso canteiro de flores, uma atração turísticas. Poucas almas percorrem a calçada à luz do dia, a não ser os passarinhos que fazem seu típico concerto mesclado ao barulho dos motores.
A minha janela sempre
foi o meu portal para a vista magnífica da cidade. De lá de cima, contemplo o panorama
e dou vida aos personagens que pela rua passam. À senhora Rita, que passeia seu
cachorro Bob às onze, ao senhor Manuel que lava seu carro todas
as quintas, rigorosamente, às cinco da manhã e outras poucas criaturas cujas
rotinas conheço de traz pra frente.
Mas a minha principal
atração é a prostituta da rua 27. Como tinha dito, nossa rua é múmia à
luz do dia, no entanto, o mesmo não acontece à noite. Mal o sol se deita, a rua
acorda e enche-se de movimento. Um movimento silencioso e misterioso.
Ela chega sempre às
sete e meia, nem um minuto antes nem um minuto depois. É linda. Airosa. Pele
num moreno estonteante, mistura de terra e sol. Cabelos crespos e negros, negros
e luzidos. Silhueta impecável, típica da tradição africana. Redondas coxas
adornam seu corpo e seios firmes, aprumados em sentinela fartam seu peito, parecendo
até afirmados por mãos angélicas. Seu rosto juvenil e belo abriga mistérios, genuinidade
e tristeza. Traz, sempre, em suas mãos delicadas rosas amarelas colhidas,
suponho, no canteiro da rua.
Chega sempre o mesmo
carro. Incorrigível na arte da pontualidade. Azul-escuro e finíssimo,
resistente ao tempo, íman de inveja alheia. Ela entra, meu olhar já não a alcança.
Agora, a imaginação trabalha.
Para onde irá a
prostituta da rua 27?
Quem sabe a um castelo magnífico
onde mora o príncipe do carro azul? Ou quem sabe a um quarto escuro e doloroso
onde se entrega a um amante sem amor? Quem sabe recebe beijos doces e românticos?
Quem sabe lêem contos, poemas e romances, ao pé da lareira, antes de se amarem
apaixonadamente? Quem sabe é amarrada e possuída violentamente? Quem sabe recebe
flores em declarações de amor? Quem sabe recebe açoites em masoquismo e terror?
Quem sabe ouve versos doces e palavras de amor? Quem sabe ouve silêncios frívolos
e insulto de libido?
Quem sabe mais nada! Pobre
infeliz, doce amada prostituta da rua 27! Quem conhecerá a história que minha imaginação
não alcança?! Quem conhecerá tuas passagens, teus sorrisos, teus choros?
